20 julho 2007

A Insustentável Tentação

Eu vi por aqui um comentário, em que um Senhor Doutor Advogado recomenda comedimento na crítica e esclarece duas coisas.
Primeiro: "uma acção não se interpõe".

- Senhor Doutor Advogado, tem muita razão! Muito me penitencio pelo erro e agradeço a atenção.

E esclareceu outra: “Ainda assim, pergunto: não foram os Senhores Doutores Advogados Patronos que convidaram os Senhores Doutores Advogados Estagiários a irem fazer os respectivos estágios nos seus escritórios, ou foram?”

Apesar de bem poder, não quero deixar passar sem resposta. Vá, um pequeno comentário.

Em rigor, até foram os Senhores Doutores Advogados Patronos que convidaram os Senhores Doutores Advogados Estagiários.
Reparem: eu envio um curriculum vitae para o mail do Senhor Doutor. O Senhor Doutor, se não apagar antes de abrir, fica maravilhado com o que lê, pede à secretária que me contacte e marque entrevista.
O Estagiário to be pega na sua melhor cara e vai, formoso e não seguro, ao encontro do Patrono to be. No final, o Senhor Doutor Advogado há-de dizer qualquer coisa.

- Teremos muito gosto em o receber! – idealmente.

É o Senhor Doutor Advogado Patrono que convida o Senhor Doutor Advogado Estagiário.

Mas o que realmente me apetece dizer é, afinal, mais simples:

- Pooooooooorrrrra!

Ora então estamos outra vez com a conversa de que os Estagiários levam porque querem, não é verdade?!
Já sabemos: ninguém é obrigado a inscrever-se na OA. Ninguém é obrigado a frequentar o estágio. Ninguém é obrigado a exercer a advocacia. A menos que eu queira exercer a advocacia, caso em que terei que frequentar o estágio e inscrever-me na OA.

O Estagiário será, vá lá, uma mulher da vida que leva porrada do proxeneta. Que ninguém a obriga a ficar com ele. Porque não foge a desgraçada? O que a prende a quem a trata mal? Ninguém a obriga a ser puta. Deve gostar de apanhar, é o que é. Que vá trabalhar a sério.

Será, como direi, como os desempregados. Que trabalhem nas obras. Que vão lavar escadas. Que trabalhem a terra.

- Trabalho há, não há é empregos! Estes jovens não querem trabalhar! – e palito mais um dente, aquele que fica mesmo por baixo da ponta do bigode.

Até admito que pudesse haver “um pouco mais de comedimento na crítica”. Mas, ai de mim!, ó Senhor Doutor Advogado, Mui Ilustre Colega, que a nascente é tão grande e tão sedutora, que não vejo em mim a força para lhe resistir...

Senhor, deitou-se a meu lado
E cheirava a maçã como no dia
Em que o primeiro pecado
Furava a terra e nascia.

Era preciso lutar,
Cuspir-lhe o corpo, que vi
E era como um pomar!...
Senhor, eu então comi.
Miguel Torga, Diário I